Um segundo balanço com os melhores discos de jazz de 2024, depois do primeiro feito em Julho.
Kurt Rosenwinkel - The Next Step Band: Live at Smalls, 1996 (Heartcore Records)
Se há uma enorme injustiça no mundo do jazz, essa é sem dúvida o desprezo a que toda a geração pós-1990 tem sido vetada mediaticamente. Se muitos amantes deste estilo conhecem os clássicos como Miles, Shorter ou Coltrane - e as estrelas dos anos 70 e 80 como Pat Metheny, John Scofield, Chick Corea ou Keith Jarrett, esta geração terá apenas produzidos duas grandes estrelas mediáticas: Brad Mehldau e Joshua Redman. E é uma pena que assim seja, porque arrisco dizer que, a seguir à geração de ouro dos anos 50 e 60, o melhor jazz alguma vez feito foi por esta geração pós-1990 (na minha modestíssima opinião, claro) e muitos destes músicos são merecedores de muito mais atenção por parte dos nossos ouvidos (quantas vez mais será preciso voltarmos a ouvir Kind of Blue ou Blue Train, com tanto bom jazz a ser feito hoje em dia?).
Disto isto, se quiséssemos escolher os grupos mais emblemáticos desta geração, creio que se poderia escolher com facilidade o trio original de Brad Mehldau (ainda com o catalão Jordi Rossi na bateria) e o quarteto de Kurt Rosenwinkel, sobre o qual incide esta recomendação. Nascido em Filadélfia, depois de uma passagem pela Berklee em Boston e de algumas digressões com nomes tão consagrados como Gary Burton ou Joe Henderson, Kurt Rosenwinkel aterra em Nova Iorque pelos meados dos anos 90 e torna-se, rapidamente, no guitarrista de jazz mais influente em todo o mundo, sucedendo, de uma certa forma, a Pat Metheny. E, para isso, muito contribuiu este quarteto com o seu “siamês” Mark Turner no saxofone tenor, Ben Street no contrabaixo e Jeff Ballard na bateria - que contava com uma residência semanal no mítico Smalls, em Nova Iorque (na época, algo verdadeiramente underground e vanguardista, não o postal turístico que se tornou actualmente, apesar de ainda apresentar programação de grande qualidade).
E é uma gravação desses concertos que Kurt apresenta aqui, numa edição que não preencherá os requisitos sonoros dos audiófilos mais exigentes, mas que compensa oferecendo uma bilhete de viagem no tempo directamente para o Smalls dos anos 90, onde podemos ouvir pela primeira vez temas que mais tarde foram gravados em discos tão marcantes e influentes como The Next Step (2001, Verve Records) ou The Enemies of Energy (2000, Verve Records). Uma menção ainda final para um sit in, como se diz na gíria, de Brad Mehldau no tema Zhivago, uma das melhores composições do guitarrista (e a sua marca como compositor será talvez ainda maior que a sua marca como guitarrista).
https://open.qobuz.com/album/pz3rbpk3c1aoc
MTB - Solid Jackson (Criss Cross Jazz)
Estávamos em 1994, despontava uma nova geração após os “anos perdidos” da fusão, e sentia-se o jazz a voltar às suas origens. E as jovens promessas Brad Mehldau (piano), Mark Turner (saxofone tenor) e Peter Bernstein (guitarra) decidiram criar o grupo MTB (Mehldau Turner Bernstein) e gravar o disco Consenting Adults, como era comum na época, para a holandesa Criss Cross Jazz - acompanhados por Larry Grenadier no baixo e Leon Parker na bateria (o baterista que não usa prato de choque). Trinta anos depois decidiram voltar a gravar (Bernstein já tinha celebrado os vinte anos do seu Signs of Life em 2017 com Signs Live!), desta vez optando por Bill Stewart na bateria em detrimento de Leon Parker - o que me deu a oportunidade de ouvir a minha secção rítmica preferia de novo junta, Larry Grenadeir e Bill Stewart (que foram, na minha opinião, o melhor trio de Pat Metheny, imortalizada nos discos Trio 99-00 e Trio Live). Podia estar melhor gravado, mas músicos deste calibre não sabem gravar maus discos e é um prazer voltar a ouvir esta «reunião», trinta anos depois (e o disco original é também ele muito recomendável e segue em link).
https://open.qobuz.com/album/pszosobplkkwb
Peter Bernstein - Better Angels (Smoke Sessions)
Um pouco à semelhança do disco em cima, este disco marca o regresso de Brad Mehldau, muitos anos depois, aos discos com o guitarrista Peter Bernstein, depois dos famosíssimos Somethin’s Burnin’ (1994, Criss Cross) e Signs of Life (1995, Criss Cross). Acompanhados por Vicente Archer no contrabaixo e novamente com Al Foster na bateria (aos 81 anos continua a dar cartas com músicos trinta anos mais novos), é mais um sólido acrescento à longuíssima discografia de Bernstein, destacando-se a interpretação a solo (uma das suas especialidades) de Bernstein do tema Lament, do trombonista J. J. Johnson.
https://open.qobuz.com/album/ijddgterg2wga