A faísca que dá vida à música
Os cabos são seguramente um dos acessórios mais controversos do mundo do áudio. Há quem jure por eles, há quem diga que é tudo banha da cobra, há quem diga mal porque “estão verdes, não prestam”, há quem diga mal «porque sim», enfim, há de tudo para todos os gostos em termos de opiniões.
A chegada dos AudioQuest ThunderBird e FireBird a minha casa, o primeiro com um comprimentos de 1,5 metros e o segundo já com 1 metro, levantou exactamente um bom número de questões não só porque aquilo que a AudioQuest põe em questão alguns dos princípios da electrónica e da tecnologia que a minha formação técnico-científica sempre me acostumou a considerar como dados adquiridos, embora nunca dogmas, resultado de muitos e muitos anos de trabalho na área da electrónica.
Mas vamos começar pelo princípio: a literatura técnica da AudioQuest, da autoria de Garth Powell, que aborda alguns princípios físicos ligados á construção dos ThunderBird e FireBird, inseridos, juntamente com os Dragon, numa categoria especial de cabos que a marca designou por Mythical Creature começa por afirmar que conseguiu nestes cabos aquilo que nas telecomunicações se considera impossível: anular a impedância característica! Tendo em conta que a impedância característica de um cabo de ligação é definida pela fórmula
em que Zo é a impedância característica, CL a capacitância total, e ƹr a constante dieléctrica, é fácil perceber que tal só poderia ser conseguido se tivéssemos uma constante dieléctrica nula (não entrando aqui em discussões filosóficas sobre o significado da raiz quadrada de zero ser zero) ou uma capacidade total infinita no cabo. Claro que esta última opção terá que ser imediatamente colocada de lado porque colocaria problemas insolúveis ao sinal para ele poder percorre o cabo, mas uma constante dieléctrica zero é também algo que a física não contempla pois, por definição, o valor mínimo de é 1, quando falamos do vazio como dieléctrico. Além disso, uma impedância característica nula daria origem, segundo a lei de Ohm, a uma corrente infinita, mais uma impossibilidade.
Mas então, quid juris, como dizem os juristas? Pois o mais sensato seria falar com Garth, que já sabia por experiência ser uma pessoal extremamente simpática e aberta, desde que tinha testado o condicionador de tensão do sector Niagara aqui há uns anos. E foi o que fiz, colocando-lhe de modo claro e aberta as minhas dúvidas. E daqui resultou uma franca e leal troca de impressões, com alguns e-mails bem longos pelo meio, algo que, como é evidente, não vou transcrever para aqui. Mas as conclusões foram bem interessantes: a principal é a de que a aplicação da tecnologia DBS, em que o dieléctrico é sujeito a uma tensão de polarização de 72 V, combinada com a separação física dos três cabos leva a que por um lado a lei de Ohm não se aplique nesta situação, bem como implica que o dieléctrico se comporte de um modo bem diferente do normal, quase que desaparecendo, excepto nos mais ou menos dois centímetros correspondentes às terminações das fichas de ligação, pelo que em termos teóricos, e retirando da equação o jargão de marketing que todos os fabricantes utilizam, por vezes em excesso, se poderia descrever o conceito físico subjacente à configuração destes cabos do seguinte modo simplificado:
Os cabo Thunderbird e FireBird utilizam o princípio DSB e elaboradas técnicas de blindagem para garantir que os três cabos individuais que ligam cada canal da fonte ao pré-amplificador ou do pré-amplificador ao amplificador de potência se comportem como se a constante dieléctrica fosse nula e o conjunto de três cabos praticamente não tivesse nenhuma impedância característica e estabelecem uma conexão “directa” entre os equipamentos de forma a que eles funcionem como se fossem fisicamente uma única unidade e o resultado é uma quase perfeita transmissão de sinal de um para o outro sem praticamente nenhum ruído ou distorção adicionada ao sinal. Esta impedância característica quase nula tem ainda a virtualidade de se manter quase perfeitamente linear ao longo de toda banda de frequências com que se trabalha em áudio, algo que é muito difícil de se conseguir com qualquer cabo.
Note-se que esta é a minha interpretação, resumida em termos o mais simples possível, que pode seguramente ser contestada por qualquer um que tenha conhecimentos profundos de Física Teórica e de Tecnologia dos Materiais, mas que penso poderá ajudar quem lê este artigo a compreender um pouco melhor o que está por detrás dos aspectos de desempenho sobre os quais me irei debruçar um pouco mais adiante. Isto manifestando-me desde já disponível para aceitar qualquer contribuição que me seja enviada e permita melhorar a descrição que trouxe a terreiro. Como eu disse a Garth Powell numa das nossas conversas, é sempre um prazer aprender algo novo na vida.
Voltemos então às duas criaturas míticas que tive aqui em casa. O ThunderBird e o FireBird, tal como já dei a entender, têm uma estrutura idêntica: três cabos independentes transportam o sinal entre as duas fichas XLR de alta qualidade, com uma caixa independente que contém uma bateria e um multiplicador de tensão para aplicar uma polarização de 72 V entre o dieléctrico e a blindagem, a qual está apenas ligada o lado da fonte. Os conectores XLR são de altíssima qualidade sendo a esturra exterior revestida com cobre de elevada pureza para melhorar a blindagem, e os contactos de cobre vermelho com uma camada superior de prata. As diferenças principais assentam na utilização de condutores de cobre PSS no caso do FireBird e de cobre PSC+ no ThunderBird. O dieléctrico é definido a partir de tubos de Propileno / Etileno fluorado separados por ar do condutor central, e as tecnologias de polarização e «formação» do dieléctrico são a Zero-Tech e a DBS, com a blindagem exterior a ser construída a partir de uma malha de grafeno.