A Focal, anteriormente JM Lab, tem-se distinguido por fabricar produtos que assumem uma sonoridade muito própria, ao invés de optar pelo mais fácil caminho de tentar agradar a gregos e a troianos.
Em face das dimensões das Scala Utopia, não foi possível efectuar o teste na minha sala habitual, de modo que todas as audições decorreram na sala de testes da Audio&CC. O equipamento complementar constou do leitor digital McIntosh MCD500 e do amplificador Devialet D-Premier, tendo a cablagem ficado a cargo dos van den Hul D-102 e The Revelation. Após alguma experimentação ficaram colocadas a cerca de 80 cm das paredes traseiras, a 1 metro das laterais e com um ligeiro ângulo de inclinação na direcção do local de escuta. Em face da nudez da sala, que a torna bastante viva, acabei por preferir deixar o comutador de graves na posição neutral e retirar 1,5 dB ao nível do agudo.
Não é necessário muito tempo para perceber que as Scala Utopia não renegam a sua origem Focal, e ainda bem que assim é. O som exibe características que nos habituámos a associar à marca, é muito aberto, cristalino e transparente, sem quaisquer resquícios daquela introspecção tão do agrado de muitos audiófilos que consideram as Focal como colunas frias. Clínicas, resolutas e detalhadas são com certeza, transparentes e fiéis ao sinal de origem também, agora frias é um adjectivo que eu não lhes reconheço.
Com o álbum Café Blue da Patricia Barber, as Scala brindaram-me com um som potente, excelentemente articulado e definido no registo grave, uma gama média clarividente, capaz de materializar a Patricia no local de audição, e um registo agudo que se pauta por uma definição exemplar e uma total ausência de efeitos de compressão ou dureza, o que foi particularmente óbvio com o som do piano, propiciando e até instigando a que se façam audições a volumes de som bem elevados, tal é a facilidade e soltura com que a música irradia das colunas.
Para complicar mais as coisas, passei à audição da Paixão Segundo São Mateus de Bach, numa nova gravação com instrumentos modernos da Orquestra do Gewandhaus de Leipzig, com Riccardo Chailly na direcção. As Scala demonstraram uma notável separação instrumental e uma capacidade para edificar espaços amplos, permitindo transmitir claramente a posição relativa dos dois coros atrás da orquestra, e mantendo um equilíbrio de tal modo bem doseado entre orquestra, solistas e coros que consegue transmitir ao ouvinte a sensação de estarmos a assistir à apresentação do concerto ao vivo. Não apenas pela ausência de efeitos de compressão, que imprime à reprodução uma facilidade e uma soltura que é raro ouvirmos fora da música ao vivo não amplificada, mas também porque a dinâmica é exemplar e nos deixa em permanente estado de alerta. Como exemplo deste efeito não posso deixar de referir a ária para soprano e alto «So ist mein Jesus Nun gefangen», que me brindou com uma apresentação quase perfeita do dueto, na qual a voz mais grave do contralto nunca se perde, antes surge tão presente e clarividente que é possível seguir a sua parte (ter a partitura à mão também ajuda) sem nos sentirmos atrapalhados pela voz aguda do soprano que canta em simultâneo. A grande surpresa em termos de dinâmica e dinamismo surge quando o dueto de vozes femininas dá lugar aos dois coros que cantam um tempestuoso e intrincado contraponto de forma exaltada e efervescente, «Sind Blitze, sind Donner in Wolken verschwunden», com um realismo tal que quase nos deixa sem folêgo e com uma terrível vontade de aplaudir no fim. A isto chama-se credibilidade e as Scala conseguem de facto fazer-nos sentir que estamos na sala de concertos.