A música tocada como deve ser
Os visitantes habituais do Audioshow deverão seguramente lembrar-se da presença da marca Diesis num das salas das Cavalariças do Hotel Pestana Palace em dois anos seguidos, com umas interessantes colunas de caixa aberta e tweeter de corneta e, numa dessas presenças, trouxe igualmente o leitor de áudio digital Neptune e o amplificador integrado Evento 20-11. Giuseppe Gabbarinni é a face visível da empresa e tive oportunidade de o encontrar igualmente por mais de uma vez no High End Show de Munique, mas exactamente no show paralelo DeLuxe. Afável, sendo mesmo um verdadeiro gentleman, Giuseppe tem alguma dificuldade com o seu inglês mas isso acaba por ser uma boa «desculpa» para, sempre que nos encontramos, tentar não esquecer o meu italiano que foi fundamentalmente aprendido «de ouvido».
O Musica é a última obra saídas das oficinas da Diesis, tão recente que ainda nada existe sobre ele no site da marca. Mas a Logical Design tinha consigo um dos primeiros exemplares e o Vlamir foi suficientemente prestável para o deixar comigo quando de uma das suas regulares viagens ao Brasil, o que quer dizer que tive quase 3 meses esta bela máquina em minha casa, tempo mais que suficiente para poder aqui exarar um conjunto de opiniões bem sustentadas.
Descrição técnica
De acordo com a informação que obtive directamente do Giuseppe e ainda com os resultados da comparação dessa informação com a que consta no site sobre o Evento 20-11, pude concluir que o Musica é uma evolução natural deste último, com um sublimar de algumas características importantes, começando pelo facto do andar de potência funcionar em classe A, debitando 60 W sobre 8 ohm, com uma distorção máxima de 0,3%, um pouco mais elevada do que é usual com outros modos de funcionamento mas que seguramente tem também a ver com o facto da topologia do amplificador não recorrer a uma malha de realimentação global, apenas alguma realimentação local em corrente, em vez de tensão.
O painel frontal é o mais simples possível com três volumosos botões, a lembrar desenhos dos tempos originais das válvulas, controlando, da esquerda para a direita: ligação do amplificador, volume, fonte. Lateralmente temos dois imponentes dissipadores de alumínio extrudido com furos de passagem do ar e, nas traseiras, as entradas habituais, duas single-ended, por RCA e duas balanceadas (XLR), duas saídas préamplificadas (esquerda e direita), duplicadas em XLR e RCA, uma saída para gravação (uma raridade hoje em dia), a entrada da tensão de sector, por ficha IEC, ladeada por dois fusíveis de 5A, um para cada transformador, e ainda os quatro terminais WBT nextgen de saída para as colunas. A identificação das entradas é algo idiossincrática: S1 e S2 para as entradas balanceadas (?) e SE 3 e SE4 para as não balanceadas. A designação SE ainda se pode compreender, se for uma abreviatura de Single-Ended, agora para S1 e S2 não vejo justificação nenhuma.
Retirada a tampa superior deparamos com um interior que revela um nível esmerado de construção, sem uma ligação que seja fora do sítio, e onde os dois imponentes transformadores centrais, um para cada canal, chamam logo a atenção pela cor vermelha da caixa externa. De acordo com Giuseppe, embora a caixa de protecção tenha uma forma circular, os transformadores não são toroidais mas sim de núcleo em duplo C, com enrolamentos de cobre de alta pureza, sendo produzidos por um empresa italiana especializada em fornecer fabricantes de material militar e aerospacial. Os transformadores têm três níveis de blindagem: são encapsulados e posteriormente inseridos num banho de resina, com uma blindagem externa em Mu-metal para evitar qualquer tipo de radiação para o exterior. A potência total não consta nas especificações que o Giuseppe me enviou mas estimo que deva andar em volta dos 500…600 VA, mais que suficiente para os 60 W por canal anunciados mesmo que, em face da existência de válvulas no andar de entrada, as quais necessitam de uma alimentação independente e de corrente de filamentos, o rendimento global de cada amplificador se possa estimar andar em volta dos 35%.
À esquerda e à direita desses transformadores temos dois circuitos impressos de amplas dimensões fixados na vertical aos dois dissipadores atrás mencionados e contendo não só os circuitos activos de préamplificação e amplificação de potência como os de rectificação, filtragem e estabilização de tensão. Estes circuitos impressos têm um substrato de fibra de vidro com 2 mm de espessura, e as pistas de cobre são tratadas através do processamento ENIG, que consiste na deposição de uma camada de ouro com perto de um mícron de espessura sobre uma outra camada de níquel, a qual protege as pistas de cobre e evita que o ouro seja difundido através do cobre. Deste modo garante-se uma condutibilidade quase perfeita e protegem-se as pistas de cobre contra a corrosão.
O conceito do circuito electrónico do Musica assenta em dois circuitos de amplificação, com topologia balanceada, e do tipo híbrido – amplificação de entrada a válvulas e andar de saída com transístores. Na entrada temos, por canal, 2 válvulas 12AT7/ECC81 seguidas de 2 12AU7/ECC82 (em ambos os casos pares emparelhados), as quais funcionam como drivers e atacam o andar de saída através de volumosos Wima de 2,2 µF, classe X2. Os transístores de potência estão fixados directamente ao dissipador e “escondidos” por detrás da placa de circuito impresso, por isso nada posso dizer sobre eles, apenas pude assumir que se trata de dois pares e que quase seguramente são do tipo MOSFET – facto confirmado posteriormente pelo Giuseppe Gabbarini.
Considero igualmente interessante o facto do projectista do Musica ter optado pela implementação de uma ponte rectificadora com díodos discretos individuais, em vez da habitual ponte integrada com os 4 díodos no interior. Esta escolha, válida para as alimentações independentes do andar de saída, tensão relativamente mais reduzida que a aplicada às válvulas, e da alimentação das placas das válvulas, tem seguramente a ver com o facto de ser mais fácil e abrangente encontrar díodos Schottky individuais rápidos do que pontes rectificadoras com díodos deste tipo. Para a alimentação dos MOSFETS são utilizados 4 díodos MUR840F montados em dissipadores (o funcionamento em classe A implica o fornecimento constante de uma valor elevado de corrente) e especificados para 400 V/8 A. Os MUR840F são díodos ultra-rápidos, com um tempo de recuperação muito reduzido. A filtragem está por conta de dois condensadores Mallory de 2 x 33000 µF /50 V por canal.
Já no caso da alta tensão das válvulas a Diesis recorre a oito díodos MUR560F (V600 V/5 A), sem dissipadores, já que a corrente de placa de cada tríodo é bastante reduzida, da ordem da dezena de mA. São novamente díodos de comutação rápida e de recuperação suave, em caixa TO220. A filtragem é feita através de um condensador de 470 µF /450 V por canal. Estão inseridos dois fusíveis de protecção na alimentação de cada canal. Existe um circuito de controlo de entrada em funcionamento que só liga os relés das colunas quando todas as polarizações estão estabilizadas, o que demora 30 a 40 segundos.
A comutação da entradas é efectuada através de relés de contactos dourados e o controlo de volume tem um circuito de memória: quando se liga regressa à posição em que estava quando o amplificador foi desligado. O controlo remoto é mesmo minimalista: as únicas funções controladas são o ligar / desligar e a variação do volume.
Em face da sua estrutura extremamente sólida o Musica tem um peso que desaconselha a sua movimentação por apenas uma pessoa – presumo que em volta dos 35 kg, aumentados dos mais 4 ou 5 da caixa de madeira que o protege. Na construção, para além dos detalhes enunciados, destaca-se ainda a utilização de resistências Vishay RN das séries CPF (especificação industrial / profissional) e CMF (especificação militar).