As melhores coisas vêm em caixas pequenas
Mi Tierra, de Glória Estefan, é um álbum profundamente cubano. Cantado em castelhano, se a palavra saudade existisse na língua de Cervantes, ela aplicar-se-ia aqui que nem uma luva. Todo o álbum é uma obra de amor, quer no sentido da relação com a pessoa amada, quer no sentido da devoção ao seu país natal. No disco, do princípio ao fim, a cantora cubana, há muito radicada nos EUA, e que se tornou conhecida como vocalista dos Miami Sound Machine, faz uma incursão pelas várias sonoridades do seu país, como o son, o bolero ou o chachachá. As múltiplas percussões, os timbales, as congas, os trompetes, as guitarras cubanas, distintivas, os coros, são instrumentos típicos do país caribenho, e estão presentes em todo a obra, a par de instrumentos mais genéricos, como o piano, o baixo e a flauta. Em particular, a faixa Mi Tierra, que dá o nome ao álbum, é uma peça contagiante, plena de ritmo, em paralelo com uma bela melodia. Também aqui o Enleum faz um excelente trabalho, apresentando-nos claramente os muitíssimos músicos que nela intervêm, demarcando muito bem as características tímbricas de cada instrumento, e, bem assim, o local exacto no palco onde os músicos se encontram, mas sempre com Glória Estefan à frente e ao centro do palco. Por mais de uma vez, dei comigo a virar a cabeça, para olhar para o sítio onde aparentava estar o trompetista, ou as congas, ou o coro! Surpreendente, o realismo que este amplificador imprime à música.
Like Minds é um álbum de 1998 do vibrafonista Gary Burton, em conjunto com Chick Corea, nas teclas, Pat Metheny, nas guitarras, Roy Haynes, na bateria e Dave Holland, no contrabaixo. Este álbum, que ganhou um Grammy em 1999, não devia faltar em qualquer discografia de jazz que se preze. Quando 5 monstros se juntam, a maravilha é certa. Em Question and Answer, o palco é enorme, e o local onde os músicos se encontram é muito claro. Burton ao centro, Haynes à direita, recuado, com Metheny à sua frente e Holland à sua esquerda, e Corea à esquerda do palco. E, a dinâmica que eles emprestam à sua actuação! O Enleum quase parece estar a tocar lá junto com eles… e estar a adorar fazê-lo.
Songs from the Blue Fiddle, de Seán Smythe é um CD que trouxe da Irlanda, aquando de uma longa viagem de descoberta que fiz àquele país. Saí de lá ainda mais apaixonado pela cultura irlandesa, céltica, e não só. As gentes, as paisagens, as gentes, a cultura, as gentes, a música. Adoro música irlandesa (e também outras sonoridades celtas como as da Escócia, Inglaterra, Bretanha e Galiza). Na mala carregada de discos, sobretudo CDs, que na altura, infelizmente, ainda estávamos no refluxo dos LPs, trouxe este Songs from the Blue Fiddle. Como o nome indica, o violino é o instrumento que dá a maior parte da vida ao álbum, e quase todas as canções são uma espécie de neo folk, com jigs, reels, hornpipes, etc. Exceptua-se a canção que dá nome ao álbum, The Blue Fiddle, que é um mix de música irlandesa com um jazz rock bem sincopado, no qual o lead do violino é bem acompanhado por uma secção rítmica bem marcante. Nesta, pontifica um baixo bem presente, que contribui para a beleza da canção e para um constante bater do pé. Ora, nunca como agora, com a amplificação do Enleum AMP-23R, este baixo teve tanta cor, tantas notas bem distintivas, como acontece com todos os outros instrumentos, mas tantas vezes não com o baixo, que aparece frequentemente apenas com um boom boom boom, em que só varia o quão alto ou quão baixo se ouve. Pois, mas não aqui. Nunca tinha ouvido estas notas deste baixo desta maneira. Parece até que, desde a última vez que ouvi esta canção para cá, alguém andou a violinar (fiddle também quer dizer alterar, mexer, modificar), a alterar a gravação…
Tom Jobim foi um magnífico compositor musical brasileiro, e um dos criadores desse estilo maravilhoso que é a Bossa Nova. Ao longo dos tempos, muitos têm sido os que lhe têm prestado homenagem, criando, recriando (e recreando) arranjos de temas seus. A Twist of Jobim é um desses exemplos, um álbum que junta interpretações de vários músicos norte americanos da área do jazz, do funk e dos blues, como Lee Ritenour, Dave Grusin, Herbie Hancock, Al Jarreau, Oleta Adams, e outros. Em Water to Drink (Água de Beber), Ritenour, Grusin e outros, reinterpretam a famosa canção que foi gravada com voz de Jobim, Astrud Gilberto, Frank Sinatra e tantos outros. O palco é aqui muito claro e preciso, os instrumentos são mostrados de forma inconfundível mais à esquerda ou à direita, acima ou abaixo, à frente ou atrás. A meio da canção (aqui um instrumental) surge um sintetizador imitando a sonoridade de violinos, que surge colocado à direita, em cima, e bem, bem lá ao fundo. Pois o AMP-23R faz parecer que ele está a tocar do outro lado da minha rua!
No CD Ballads in Blue, Melissa Walker canta A Time for Love, uma bela canção, quase intimista, em forma de balada, pois claro, acompanhada apenas de um piano. Só que, aqui e ali, a sua voz, da qual se percebe, mais, se vê a carne, essa voz que estava a cantar “baixinho”, num repente, num milésimo de segundo, mal começou a subir, e já passou do rés-do-chão para o 10º andar. A velocidade e o esforço aparentemente zero com que o Enleum processa estas variações dinâmicas é estonteante…
Em Vibe, dos Steps Ahead, o disco começa logo com um aviso do que se vai seguir: um baixo forte e funky acompanhado pela bateria, a criarem o “canvas” no qual o vibrafone e o saxofone vão desenhar os contornos da paisagem musical. O baixo foi de tal modo presente e possante que tive que acender a luz, para ver se não me teria esquecido de voltar a ligar o Enleum às Sonus Faber, depois de na noite anterior ter estado a ouvir como se comportava ele com as Kef… Mas não, eram mesmo as Sonus faber que estavam a tocar. É que um grave assim é algo que normalmente elas não reproduzem. Quero dizer, não reproduzem como se fossem uma coluna de chão; que é o caso das Kef. Surpreendente… De facto o Enleum consegue espremer todo o grave que as Sonus faber conseguem dar, como nunca tinha visto acontecer.
Um dia depois de ter assistido ao concerto dos Yes no Campo Pequeno, em Lisboa, lembrei-me de revisitar um dos álbuns da banda, o seu terceiro, The Yes Album, de 1971. E escolhi este porque no concerto foram tocadas três canções que o integram, Starship Trooper, The Clap e I’ve Seen All Good People. Ora, sucede que logo no início da audição do álbum, com a canção referida por último, logo me dou conta de que estava a ouvir coisas de que nunca me tinha dado conta. Como p. ex. o desempenho do órgão de Tony Kaye, antecessor de Rick Wakeman. Ao fim de alguns segundos, noto logo que, nalguns instantes em que Tony toca uma nota longa, mantendo pressionada uma tecla do seu Hammond, me apercebi de que, ao contrário do que sempre tinha pensado, essa nota não se mantinha igual, linear, imutável, ao longo dos segundos em que perdura; a exemplo do que já antes me tinha apercebido com a flauta de Peter Gabriel, dos Genesis, a nota produzida pelo órgão é como que rouca, oscila à medida que as fracções de segundo vão passando. Rouca, sim, quase que como o que sucede a um cantor com voz rouca. Fascinante. A terminar a canção, há um momento o órgão se faz ouvir bem alto, começando numa nota bem grave, e de rompante sobe, sobe até bem alto, até um agudo bem pronunciado, quase como se fosse uma sirene, que se levanta do nada. Ora, o ronco do grave do órgão, no início deste momento, é impressionante! E, para além disso, que presença, que corpo tem a música! Nunca antes a tinha ouvido desta forma.
Na extraordinária obra de Bach Concertos Brandemburgueses, no seu Nº2 em Fá maior, BWV 1047, Allegro Moderato, com interpretação de Reinhard Goebel e pelo Musica Antiqua Köln, o Enleum brilha. E brilha ao mostrar que, contrariamente ao que fazem muitos amplificadores (e sistemas, que, há que não o esquecer, o amplificador não toca sozinho) raramente uma peça musical é tocada do princípio ao fim na mesma dinâmica, à mesma altura, com uma pressão sonora constante. Há momentos em que os músicos tocam mais baixinho, più piano, e há outros em que se entusiasmam e atacam com tudo o que têm. Esta obra de Bach também tem isso, a pressão sonora oscila ao longo da obra, ao longo do tempo, porque assim decidiu quer o compositor, quer os músicos. Uma palavra para estes: Reinhard Goebel imprime uma velocidade de execução ao Ensemble que é invulgar nos exemplos que conheço das centenas (talvez milhares) de interpretações que existem destes Concertos Brandemburgueses. Isso faz desta leitura uma solução invulgar, detestada por puristas, e adorada pelos iconoclastas. Eu gosto muito.
Voltando à apreciação, não estando nós portanto na presença de um conjunto orquestral mas sim de um ensemble, substancialmente mais diminuto, como é natural a pressão sonora produzida nunca poderia oscilar tanto quanto o que acontece quando uma orquestra sinfónica o decide fazer, dada toda a “artilharia” de que esta última dispõe, ora podendo subir a alturas vertiginosas, que ameaçam ou fazer estilhaçar lustres, ou fazer abanar e ruir salas de espectáculos, ora descendo às maiores profundezas, as do silêncio. Nesta obra, estamos na presença de um ensemble de câmara, ainda que algo alargado, pois dispõe, p. ex. de meia dúzia de componentes no naipe de cordas e outros tantos nos metais. Por isso, num caso como este, de um não tão alto potencial quantitativo de exuberância, não é tão fácil a um sistema de som, e em particular ao seu agitador, o amplificador, o evidenciar das variações no volume sonoro da performance do grupo. Mas o Enleum não se deixa intimidar com esse desafio. Revela-nos, algo inesperadamente, devo confessar, todo o ondular do nível da pressão sonora (além, claro, do desenrolar da melodia) da composição, à medida que ela vai evoluindo, à medida que vão entrando e saindo os vários solistas desta obra, arrastando com eles todo o ensemble. Muito interessante.