Música com graça, elegância e muita energia
Audições
Como não poderia deixar de ser o DAC Galle foi inserido no meu sistema habitual, formado pelo conjunto de electrónica Inspiration 1.0, da Constellation, ligado ao Roon Nucleus Plus e substituindo o iFi Audio Pro DSD como descodificador D/A e renderer de MQA (protocolo ALSA). No domínio analógico, tínhamos o gira-discos Basis com braço SME V Gold e cabeça Air Tight PC1 Supreme, sendo o prévio de gira-discos o Nagra CLASSIC Phono. As colunas eram as Diptyque DP 140MkII, e os cabos de interconexão e coluna eram predominantemente da gama Select, da Kimber. Na alimentação de sector pontuava a régua Vibex Granada Platinum, à qual ligavam todos os equipamentos electrónicos em uso, com o amplificador de potência da Constellation a ser alimentado através do cabo Tiglon TPL-2000A. Por outro lado o cabo USB ligado entre o Roon Nucleus Plus e o DAC da Cinnamon era o Audioquest Carbon.
Ao longo dos tempos, perdeu-se quase por completo o hábito de associar um país a um determinado tipo de som – havia o som inglês, o som alemão, o som americano e mais um outro. Como será fácil de concluir, existe tanto senso nisso como existe na ainda muito comum generalização de se dizer em linguagem corrente que os alemães são assim, os ingleses assado, os franceses cozido e assim por diante. Dentro de qualquer país, e muito mais hoje em dia com a grande miscigenação de culturas,, há uma variedade imensa de personalidades que torna quase impossível definir um tipo comum de características apenas a partir do lugar onde se nasceu. Se não fosse assim lá teria eu que estar a inventar aqui uma coisa chamada «o som português»...
E nem com grande esforço conseguiria eu classificar com uma simples e generalizante palavra aquilo que o DAC Galle apresenta na sua saída em termos sonoros: é refinado sem excesso de refinamento, elegante sem maneirismos ou arrebiques de rococó, tem detalhe mais que suficiente mas sem recortes excessivos, o palco sonoro é grande, mas mesmo grande mas nunca se perder o posicionamento exacto de cada intérprete, tem uma gama dinâmica que pode ir da batida mais forte dos Metallica ou Guns’Roses, ao borbulhar quase inaudível da música de câmara mais suave em que se possa pensar. E tudo o que aqui está dito tem a ver com características que não podem ser postas de lado sem sacrificar em absoluto muito daquilo que tem que ser uma bela performance musical.
Até mesmo aquela obsessão que já vem dos famosos tempos Naim/Linn por ritmo e tempo é bem tratada pelo DAC Galle. Raramente se vê uma imagem musical com esta coerência maravilhosa, e este refinamento geral… e lá vem mais uma vez a ideia de elegância. Ouvi, por exemplo, os Trios de Bach interpretados por Yo Yo Ma, Chris Thile e Edgar Mayer, uma peça musical extremamente refinada, e com um toque especial que lhe é conferido pela presença do bandolim. É tudo uma questão de subtilezas microdinâmicas dos músicos, da recriação do espaço e da tridimensionalidade em torno da música e, ao mesmo tempo, da interpretação sublime destas obras-primas de Bach. Se algo falhar, o que nunca aconteceu, antes pelo contrário, a reprodução soará falsa e frágil. E o DAC Galle coloca-nos mesmo no local de gravação, com uma sensação global de grande beleza musical geral e, lá vem ela de novo, elegância que, simplesmente, são aquilo que mais profundamente nos atrai na música.
Falo agora do disco Speak Tome, de Julian Lange, com excelentes interpretações de guitarra deste músico, reproduzido a 24 bit/192 kHz. A primeira faixa, Hymnai, é de uma grande beleza musical, como uma envolvente e quase etérea ambiência musical, onde as notas saem de um silêncio mesmo escuro com uma naturalidade e imediaticidade que nos desarma, mesmo depois de a ouvirmos por várias vezes. Segue-se Northern Shuffle, com um registo mais Blues e mesmo nalgumas notas quase rock, com uma evidente marcação de compasso que é acompanhada na perfeição, pondo-nos quase inevitavelmente a bater o pé quando o sax-tenor de Levon Henry entra em acção. São mais se seis minutos de grande música, com um entusiasmante final, que passam sem quase se dar por isso.
Do que melhor me recordo é do modo como o DAC Galle me fez ouvir a respiração dos instrumentos de sopro tais como o saxofone e o trompete e lhes confere um timbre requintadamente natural. As baterias, essas então, soam extraordinárias de verosimilhança com este DAC, quer seja nas tarolas, no tambor ou nos pratos. Aliás, não me recordo de ter em casa um DAC que atingisse tal nível de reprodução com este instrumento.
E a cereja no topo bolo é a maneira como o palco sonoro nos envolve que realmente diferencia este DAC de outras propostas que já ouvi. Consegue combinar de uma maneira notável uma incrível naturalidade e velocidade de execução de notas, uma espacialidade que quase nos acaricia e um som mais directo e álacre, que dá uma vivacidade muito especial ao rock de grupos mais «excitantes» em termos da energia da sua música, como é o caso dos Metallica. Esta combinação de qualidades é de primeira água e, de um modo quase contrastante com o rock, funciona às mil-maravilhas na voz de Joyce DiDonato a interpretar o Wesendonck Lieder, de Wagner, novamente a 24 bit/192 kHz. A maviosa voz de Joyce encaixa-se perfeitamente entre colunas, com uma estabilidade sólida como uma rocha, enquanto a orquestra se eleva para ir ao encontro da sua voz, e depois desaparece, para nos deixar uma belíssima interpretação a capella. É uma daquelas gravações que nos cria a tal «pele de galinha» quando reproduzida nas melhores condições possíveis e foi isso que aconteceu com este notável DAC.
Conclusão
O Galle apresenta a música com todos os condimentos, não apenas a canela que lhe vem do seu nome de guerra, perdão, do nome da marca. Combina de uma maneira difícil de igualar qualidades que se encontram aqui e além mas muito raramente se juntam desta maneira tão completa. Entramos aqui agora na tão comentada, em relação a qualquer equipamento, questão do preço. Quando no momento em que escrevo se discute na AR a importante questão dos escalões de IRS partindo do pressuposto que quem ganha mais de 1500 euros é rico, nem sequer classe média, falar sobre o preço do DAC Galle pode parecer fora de propósito. Mas isso seria um perfeito anacronismo porque aquilo de que estamos a falar é de um equipamento de reprodução musical que tem como possíveis compradores aqueles que seguramente já têm um sistema de áudio com um preço total muitas ordens de grandeza acima do deste DAC. Como tal. Dirigindo-me a esses, que não são tão poucos como isso, direi que o salto qualitativo que se ganha ao incluir este equipamento num bom sistema é mesmo muito significativo, quase equivalente ao de investir em equipamentos do mesmo género a custar duas ou três vezes mais. Além disso, só o custo de fabricar um chassis sólido como o do Galle, numa só peça de alumínio fundido, coloca-o noutra liga. Colocando as coisas nesta perspectiva, que é a real (quem duvidar pode ir à Ultimate ouvi-lo), fica aqui deste já definida uma calorosa recomendação e ficam igualmente os meus parabéns à equipa da Cinnamon que conseguiu desenvolver e fabricar algo de notável, além de inovador.
Quando o DAC Galle ainda estava em minha casa recebi a agradável notícia de que a sua distribuição para Portugal e Espanha estava assegurada pela Ultimate Audio Elite, aliás ele esteve presente nas Ultimate Sessions que tiveram lugar recentemente nas instalações do porto desta empresa.
Na minha segunda visita ao Ricardo, quando da devolução do DAC, recebi a confidência de que está na calha, e já bem avançado, o projecto de desenvolvimento de um amplificador a válvulas SET baseado em válvulas PL519, desenvolvidas no final dos anos sessenta para alimentar as bobinas de deflexão horizontal dos tubos de cinescópio dos televisores a válvulas. Depois do que ouvi com o DAC Galle, fiquei muito curioso em escutar este equipamento, algo que já me foi prometido e de que darei notícias em devido tempo.
DAC Cinnamon Galle
Preço 12 000 €
Contacto Ultimate Audio