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Western Electric WE 91E

Western Electric WE 91E

Jorge Gonçalves

29 junho 2023

Um single-ended do outro mundo


De vez em quando aparece um equipamento de áudio que incorpora uma nova tecnologia electrónica ou uma nova maneira de olhar para uma tecnologia já existente, o que não é muito diferente pois já não há muito mais para inventar, em especial no que se refere às válvulas, dispositivos que têm quase 120 anos de existência no mundo da electrónica. Aliás, o conceito de electrónica nasceu exactamente a partir do momento em que Lee de Forest inventou a primeira válvula amplificadora, um tríodo que recebeu o nome Audion, em 1906.
A Western Electric é uma das empresas mais prestigiadas da área da electrónica, tendo saído dos seus laboratórios, muito em especial dos ultra famosos Bell Labs, muitas patentes nas mais diversas áreas, desde o áudio à radiofrequência. E as suas válvulas 300B são veneradas por muitos e ainda hoje utilizadas em diversos amplificadores de potência, na maior parte dos casos em configurações single-ended que têm uma sonoridade muito apreciada. E continuam a ser fabricadas nas novas instalações da WE em Rossville, Geórgia.

Foto 1 W91E

Em 2018, no momento em que se comemorava o 80.º aniversário do lançamento no mercado das primeiras 300B, a WE surpreendeu meio mundo ao anunciar o lançamento de um amplificador com uma topologia electrónica no andar de saída que permitia obter de uma válvula quase 20 W. Foi algo surpreendente para muitos dos amantes do áudio que supunham que a empresa tinha desaparecido na sequência de algumas convulsões sofridas durante os anos 80 e 90 do século passado. Mas a realidade é que a WE é desde 1995 uma empresa privada que está na posse de Charles Whitener, o seu actual CEO e presidente. Mas vamos lá então saber um pouco mais sobre o que é que torna possível 20 W a partir de uma única 300B. E para tal tive o privilégio de obter informações saídas directamente da boca de Charles Whitener com quem conversei durante quase uma hora durante o último show de High-End de Munique.


Análise técnica


O pedido de patente US10256776B1 submetido pela WE faz referência a uma nova topologia de saída single-ended em classe A em que um MOSFET de canal P funciona como fonte de corrente para uma válvula 300B, como se vê abaixo.

Foto 2 W91E

A análise do circuito, designado por SCS (Steered Current Source) pela WE, permite concluir que temos nele afinal dois MOSFETs, um de canal P (Q1) e outro de canal N(Q2) os quais alternam entre si aumentando a corrente transferida para o transformador de saída quando a tensão de saída aumenta e diminuindo essa corrente quando a tensão de saída é menor, ou seja, quando temos menos potência. Esta é uma descrição simplificada mas ilustra que, para além de termos uma fonte de corrente a alimentar a placa da válvula 300B, temos um segundo transístor que faz o tandem em termos de variação de tensão e de corrente e possibilita que a 300B, a funcionar em classe AB2, dissipe apenas metade das necessidades de dissipação global do andar de saída. É um circuito engenhoso, que alguns já compararam ao SRPP e outros a um push-pull com dois dispositivos electrónicos diferentes e que funciona muito bem em termos de linearidade e de capacidade de fornecimento de potência.

Foto 3 W91E

O WE 91A e o WE 91E lado a lado – dois projectos com quase 100 anos de diferença entre si.


Pois esta configuração é utilizada no belíssimo amplificador W91E, digno sucessor dos W91A e W91B que sonorizaram quase tudo o que era cinema nos anos trinta e quarenta nos Estados Unidos. E os 10 anos que foram necessários para o seu desenvolvimento permitiram dar origem a um amplificador que alia de uma maneira bem sólida quase uma centena de anos de desenvolvimento electrónico, ao conjugar uma venerável válvula com as mais recentes tecnologias de transferência de ficheiros de áudio, tais como o Bluetooth aptX.
Aproveitando a deixa, fica já aqui a indicação de que o W91E está equipado no painel frontal com uma conjunto de seis teclas que permitem seleccionar a entrada correcta, sempre do tipo single-ended, ou seja, por fichas RCA: gira-discos MM e MC, CD, sintonizador, auxiliar 1, auxiliar 2 e Bluetooth. Ao centro, um generoso mostrador fornece informação ao utilizador, na forma da apresentação de dois vuímetros, da entrada seleccionada, do nível de volume. Esse mesmo mostrador apresenta de maneira bem evidente o logótipo da WE durante a fase de arranque do amplificador, ou seja, enquanto as polarizações e as temperaturas dos filamentos das válvulas não estão nos valores normais de funcionamento. À direita do mostrador temos um imponente botão de volume com 5 centímetros de diâmetro e posições definidas mecanicamente, o qual tem por baixo o botão de ligar / desligar, um indicador por LED azul e o jack de ¼ de polegada da saída para auscultadores. O controlo de volume tem lugar através de uma malha de resistências, com o nível de atenuação a ser definido por um conjunto de relés de contactos dourados. A definição do valor de cada resistência teve lugar através da utilização de um algoritmo que tem a finalidade de definir o nível de atenuação mais correcto que se adapte à curva de resposta do nosso ouvido.

Foto 4 W91E

Como não me «atrevi» a desmontar a estrutura do W91E posso apenas referir, do ponto de vista de circuitos e componentes electrónicos que na parte de cima do chassis temos duas válvulas ECC81, que devem funcionar como amplificadores de entrada, e as duas imponentes 300B inseridas dentro de tubos de acrílico para condução do calor para o topo. Uma placa de alumínio, aparafusada ao volumoso transformador de alimentação e equipada com duas grelhas, funciona simultaneamente como dispositivo de protecção em termos de não se ser fácil tocar nos citados tubos, e ainda como auxiliar de ventilação, através das duas grelhas situadas no enfiamento das válvulas. Engenhoso, dos pontos de vista de design e eficiência térmica. Alinhado com o transformador de saída e colocado entre as duas ECC81 temos um bloco de metal que contém os transformadores de saída, os quais não necessitam de entreferro, uma vez que o acoplamento da 300B ao transformador de saída tem lugar através de um condensador, e como tal podem ser do tipo toroidal e ter dimensões relativamente reduzidas. Os transformadores têm por defeito uma impedância de saída de 8 ohm, mas podem ser trocados por modelos de 4 ou 16 ohm a pedido do comprador. Segundo os projectistas da WE, o adicionamento de enrolamentos extra para outras impedâncias de saída tem efeitos nocivos no desempenho do amplificador (e implica também um aumento de tamanho do mesmo, acrescento eu). A polarização das válvulas de saída faz-se de modo automático, como controlo através de um microcontrolador de modo a que o ponto de funcionamento se mantenha sempre na situação óptima, independentemente do desgaste das válvulas ao longo do tempo de utilização.

Foto 5

Lateralmente temos dois dissipadores que transferem para o exterior o calor libertado pelos MOSFETs (segundo a patente, a WE utiliza na posição de Q1 três MOSFETs numa configuração cascode tripla e não apenas um, isto para dividir a potência dissipada por três) e muito provavelmente também por um outro transístor do mesmo tipo que funcionará como driver, uma vez que as ECC81 quase seguramente não conseguem fornecer os níveis de tensão necessários para excitar as 300B até ao nível máximo de potência. Chegados à parte traseira, encontramos os pares de fichas RCA correspondentes a cada entrada, bem como uma saída de linha directa e outra com controlo de volume. A selecção do tipo de cabeça de gira-discos faz-se através de um interruptor miniatura de alavanca e existe igualmente um terminal de ligação ao chassis para o cabo que vem do braço. A carga da cabeça deve ser montada numa ficha RCA macho, a qual é inserida numa entrada identificada para esse fim.

Foto 6 W91E

Duas fichas Neutrik de elevada qualidade disponibilizam, respectivamente, uma entrada para uma pen USB e uma ligação à Ethernet, em ambos os casos para fins de manutenção e / ou actualizações de software e firmware. A entrada de sector faz-se através de uma ficha Schuko, equipada com um interruptor de corte de alimentação. Um controlo remoto permite manobrar o amplificador à distância em termos de emular os controlos presentes no painel frontal.
A construção do W91E é nada menos que soberba nos mais pequenos detalhes e a cor final pode ser definida pelo utilizador final de entre três variedades: preto, champanhe e niquelado. O peso final é de cerca de 22 kg, a impedância da entrada de linha de 20 kohm, a relação sinal / ruído de 101 dB, igualmente na entrada de linha, a resposta em frequência estende-se dos 15 Hz aos 32 kHz, -3 dB, e a potência de saída máxima é de 20 W, embora aí a distorção já atinja níveis algo exagerados: 10%. O mais aconselhável é ficarmo-nos pelos 14…15 W, caso em que a distorção é de cerca de 2%. Note-se que a distorção na saída de um tríodo em classe A é praticamente toda de 2.ª harmónica, a mais benigna para os nossos ouvidos.
Segundo o que Charles Whitener me confidenciou, as capacidades de fabricação de válvulas da fábrica de Rossville serão aumentadas até ao fim do ano, com a disponibilização das referências ECC3, 82 e 91, de válvulas de potência desde as KT88 até às KT 180 (uma novidade!), bem como das variantes 5L6, 6B6 e EL34 para os amantes do som de válvulas nos amplificadores para guitarra eléctrica.

Foto 7 W91E

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