Thales TTT-Slim II com braço Simplicity II e cabeça X-quisite CA – Q.E.D. (e o teorema ficou mais que demonstrado)
Desde o lançamento dos discos de vinilo que um dos problemas que mais tem preocupado os fabricantes de gira-discos é a optimização da geometria da braço de leitura de modo a que a agulha de leitura se mantenha na posição tangencial ideal durante toda a leitura do disco, de geometria variável uma situação quase impossível de se garantir a partir do momento em que o braço tem um ponto de apoio fixo e o diâmetro dos sulcos varia de maneira drástica ao longo do disco. Diversas experiências foram tentadas, passando pela forma em S do braço, pelo encaixe da concha da cabeça de leitura e algumas outras soluções, para acabar naquela que pode ser a solução ideal embora normalmente cara, pelo menos para funcionar bem: o braço tangencial.
Aqui há uns anos um na altura totalmente desconhecido engenheiro e relojoeiro Michael Huber patenteou uma solução original na forma de um braço no qual o ponto de leitura da agulha se desloca de acordo com uma curva complexa, resultante da utilização de dois tirantes que se movem para trás e para a frente à medida que a agulha lê a informação contida em sulcos de diâmetro variável. A empresa criada por Michael Huber assumiu o nome HiFiction, a qual por seu lado criou a marca Thales.
Tales de Mileto foi um ilustre matemático e geómetra grego que, entre diversa descobertas tais como a do famoso Teorema de Tales, muito utilizado na resolução de triângulos, enunciou um outro axioma a partir da observação de que, num semicírculo, os triângulos em que um vértice é um ponto num arco de círculo e os outros dois estão nas extremidades desse mesmo arco são, invariavelmente, triângulos rectângulos. Huber usou este axioma de Tales como base para construir um braço de gira-discos cujo arco de traçagem através do disco é tal que, independentemente do ponto onde a agulha esteja, esse ponto é sempre o vértice de um ângulo recto que tem como lados o eixo da cabeça e o raio do LP – uma situação que emula com grande precisão o ângulo que a cabeça de corte da máquina que produz os masters faz com o master metálico utilizado posteriormente para a produção dos discos em vinilo. Este conceito foi patenteado em 2004 e refinado ao longo do tempo através da construção de diversos modelos de braço até dar origem aos modelos actuais nos quais existem dois tubos de alumínio muito finos (tirantes) que ligam à concha articulada que contém a cabeça, um contrapeso dividido em duas metades e um «gimbal», um mecanismo muito utilizado pelos utilizadores profissionais de câmaras de vídeo para as manter sempre niveladas no plano horizontal, mesmo que quem maneja a câmara se mova, colocado no fulcro do ponto de movimentação do braço. Para que tudo isto funcione perfeitamente em resposta aos movimentos mecânicos da cabeça que têm necessariamente um binário muito reduzido, é necessário utilizar rolamentos de fricção nula no gimbal, rolamentos esses uma vez mais patenteados pela HiFiction.
Sóbria e elegante, a base do gira-discos TTT-Slim II é muito compacta - mede apenas 423 mm de largura por 305 mm de profundidade - parece ser um design simples, de baixo peso e base sólida, não muito diferente de tantos outros disponíveis hoje. Mas, muito longe disso, por detrás desta sobriedade está um amplo conjunto de conceitos de engenharia e cada uma das suas 70 partes foi cuidadosamente desenhada para desempenhar a sua função do modo mais perfeito possível de modo a tingirem-se os objectivos do conceito global. O sistema de accionamento do prato combina as vantagens da roda-livre convencional (estabilidade e força), com os benefícios da tracção por correia (silêncio e desacoplamento). O motor em si é modelo de corrente contínua sem escovas com uma potência de 15 Watt, e está montado sobre uma estrutura de desacoplamento que elimina qualquer vibração do chassis e evita qualquer movimento axial do motor. A poleia, a qual actua como um volante para compensar os pequenos incrementos de velocidade resultantes dos picos de corrente, actua sobre o sub-prato através de uma correia de precisão de secção circular.
Os rolamentos do TTT-Slim são o resultado de 50 anos dedicados à mecânica de precisão, em combinação como conhecimentos derivados da relojoaria suíça: o veio principal é de aço carbono endurecido, sendo a superfície cuidadosamente polida à mão em várias fases utilizando madeira de tília e pasta de carbono, tendo a extremidade inferior, que se apoia numa esfera de aço endurecido, igualmente um formato esférico. Este veio gira dentro de uma chumaceira de bronze sinterizado, que foi mergulhada em óleo especial aquecido para garantir anos e anos de funcionamento perfeito. O prato tem uma massa total de 3,5 kg, estando essa massa distribuída de modo a concentrar-se junto à parte externa de modo a conseguirem-se propriedades inerciais idênticas à de um prato de 5 kg. A estrutura do prato é sintonizada para ressoar numa única frequência de modo a tornar mais eficaz o denso material de amortecimento colocado no seu interior. O tapete do disco é fabricado no mesmo material de amortecimento, o que garante um apoio firme e inerte para o disco. A parte inferior do chassis está equipada com três espigões de desacoplamento que fazem com que o gira-discos esteja como que assente em esferas, com o ponto de apoio inferior em borracha. Uma rosca maquinada torna o nivelamento muito simples de efectuar.
Mas um dos aspectos mais interessantes do TTT-Slim é a electrónica de accionamento do motor que utiliza um sensor num sistema de malha fechada para manter um velocidade absolutamente estável, de um modo mais eficiente do que uma topologia controlada por quartzo, sendo essa electrónica alimentada por uma bateria interna! Sim, o TTT-Slim nem precisa de, nem deve estar, ligado ao sector de alimentação quando está a ser utilizado, garantindo uma carga de bateria até 20 horas de uso, uma vez que ela tem uma capacidade de pico superior a 100 W. O sensor lê a informação da velocidade de rotação do braço e essa informação é convertida numa tensão contínua que por sua vez é comparada com uma tensão de referência altamente precisa. Qualquer desvio é traduzido num valor de correcção para mais ou para menos na tensão que alimenta o motor. Dois interruptores de alavanca miniatura, colocados do lado direito, controlam o funcionamento do gira-discos: um deles comuta entre carga da bateria / desligado / em funcionamento, e o outro selecciona a velocidade de rotação do disco – 33 ou 45 r.p.m. A saída de sinal tem lugar através de dois conectores RCA situados na traseira, junto aos quais se encontra um jack minúsculo para a ligação de massa, ou seja, a HiFiction não optou pelo habitual parafuso para este fim, o que obriga à utilização do cabo fornecido com o gira-discos, mesmo o caso em que o cabo utilizado já inclui a ligação de massa, o que é normal com diversos cabos para gira-discos. No meu caso, como utilizei um cabo de interconexão convencional teria mesmo que recorrer à solução da Thales.
O braço Simplicity II emprega um contrapeso inteligente dividido em duas partes: uma presa à parte traseira do braço, com uma secção transversal semicircular, sendo a outra um peso auxiliar cilíndrico, cuja posição determina a força descendente e que está fixado apenas ao tubo interno do braço. Para corrigir a força descendente, a qual varia durante a leitura ente o início e o fim do disco, um disco de peso excêntrico está preso ao peso auxiliar e pode ser girado e travado para compensar esses desequilíbrios. Já o VTA é ajustado da maneira habitual: depois de se aliviar o parafuso sem cabeça que prende o pilar do braço dentro da pinça de montagem, ajusta-se um outro parafuso de precisão orientado verticalmente que passa pelo pórtico do braço e está acessível através de uma cavidade na referida pinça. Quando esse parafuso é girado no sentido horário, o pórtico e, portanto, o braço, sobe e, quando é girado no sentido anti-horário, o pórtico baixa. O azimute é ajustado afrouxando primeiro dois parafusos de travamento que prendem o «gimbal» à estrutura que o suporta e, em seguida, girando um parafuso de fixação escondido naquela estrutura antes de reapertar os parafusos de travamento. O Simplicity II não possui compensação anti-skating, uma vez que este braço, com a sua geometria original, não é susceptível às forças laterais que afligem os braços articulados tradicionais, os quais dependem de quantidades generosas de compensação da força da agulha e da rotação da cabeça na concha para alcançar a quase-tangência da agulha. Aliás o fabricante é bem específico nesse aspecto ao garantir que o Simplicity II tem um erro de leitura notavelmente baixo – 0,006°. Na posição de repouso o braço assenta num pequeno ressalto existente no apoio ligado ao elevador que é actuado por uma alavanca lateral, um pouco à la SME. É necessário algum cuidado quando se assenta o braço nesse ressalto pois a posição de repouso não é fácil de se atingir.
Embora a Exaudio assegure a montagem e instalação no local de um conjunto de gira-discos e braço da Thales, a marca desenhou-os de modo a garantir uma grande facilidade de montagem e ajuste e resultados consistentemente precisos. Isso é bem aparente no gabarito de acrílico e alumínio para alinhamento da cabeça - no seu excelente manual bom, a HiFiction destaca este aspecto: para evitar comprometer as duas metades articuladas do braço, é conveniente que a cabeça seja montada numa pequena placa de alumínio que pode, mais ou menos rápida e facilmente, ser fixada ao braço, já que é travada através de um único parafuso de fixação de 0,9 mm. A estrutura de montagem da Thales possui uma zona rebaixada na qual a cabeça e a placa de alumínio se encaixam de maneira perfeita perfeitamente e tem ainda uns orifícios de visionamento que ajudam imenso a obter-se o posicionamento inequivocamente correcto do cantilever e da agulha. Eu vi-o apenas em fotografia mas não há dúvida que é de louvar que a Thales se tenha dado ao trabalho de desenhar e fornecer com o braço uma ferramenta de montagem e afinação tão completa.
O conjunto que a Exaudio me disponibilizou para teste incluía ainda a cabeça X-quisite CA, um modelo produzido igualmente pela Thales. A gama X-quisite integra quatro modelos, embora dois deles sejam de produção limitada: X-quisite ST, o modelo de entrada, X-quisite CA, o segundo na gama e o de topo antes de entrar nos modelos especiais, a X-quisite FIRE e a Extreme Exotics. Todas as cabeças X-quisite aproveitam a tecnologia patenteada que recorre a um transdutor monobloco de cerâmica, o qual garante uma excelente resolução de detalhes e, ao mesmo tempo, um som muito natural. O modelo CA (cobre / alumínio) tem uma bobina de cobre com uma pureza 4N, cuidadosamente combinada com um avançado corpo fabricado de um material que emprega uma sanduíche de alumínio e madeira para obter as características sonoras mais envolventes. O cantilever e a forma da bobina são fabricados a partir de material cerâmico, tendo a agulha um polimento «Micro ridge». O peso total é de 14,8 g, a tensão de saída de 300 µV e resposta em frequência vai dos 20 Hz aos 30 000 Hz. O peso de leitura recomendado deve estar entre 1,9 e 2,1 gramas e a carga da entrada o prévio de phono pode variar entre 400 e 800 Ω, isto porque a resistência interna da bobina é de 24 Ω por canal. Cada cabeça X-quisite é feita à mão peça por peça e calibrada pessoalmente por Michael Huber.