E as Wilson dançavam só para mim
Quando Daryl Wilson assumiu as rédeas da marca começou de imediato a ensaiar novos materiais e novos conceitos de alinhamento temporal e não só, o que levou ao desenvolvimento das imponentes Chronosonic, de onde se retiraram ensinamentos muito úteis para os modelos de preço (um pouco) mais abordável. Fazia por isso algum sentido que as WATT/PUPPY renascesse quais Fénix das páginas da história onde tinham deixado tantas marcas indeléveis e reaparecessem num momento especial. E que data mais especial podermos encontrar na vida de uma empresa que a comemoração de 50 anos de existência, algo de que poucas se podem gabar?
E assim apareceram com grande alarde no show de Munique deste ano as WATT/PUPPY de última geração, como todos os refinamentos tecnológicos que as enormes capacidades de pesquisa e desenvolvimento com que a Wilson se equipou nos últimos tempos permitiam. E tudo começa na utilização dos três materiais, com as simples designações X, S e V, recentemente desenvolvidos pela marca. O material S é utilizado para os travamentos internos e para a caixa externa, o S para o acoplamento da câmara de médios ao baffle frontal e, finalmente, o V é aplicado no topo da caixa das PUPPY, funcionando como uma interface absorsora de vibrações da caixa superior. E convém desde já realçar que as novas WATT/PUPPY foram pensadas como uma coluna global e não como duas caixas uma em cima da outra, embora as capacidades de ajuste do módulo superior sejam relativamente mais limitadas do que nos modelos mais acima da Wilson, o que é natural. Mas foi tudo pensado de um modo tal que o resultado é uma estrutura integral, como uma solidez sonora e um refinamento que causam espanto logo que as colunas saem das caixas. Mas sobre isso falarei um pouco mais adiante.
Conjunto dos altifalantes utilizados nas WATT/PUPPY de 2024
Em termos de altifalantes, ou unidades activas (não vejo razão alguma para que se utilize o termo «speaker», ainda por cima porque em inglês esta palavra tem um significado duplo, tanto designando a coluna com um dos seus altifalantes), tudo começa na unidade superior onde brilham o tão gabado altifalante de médios de 7 polegada com íman de AlNiCo (alumínio, níquel e cobalto) igual aos que são utilizados nas Wilson Chronosonic XVX, Alexx V, Alexia V e Sasha V. Complementa-o, na mesma caixa, o tweeter CSC, originalmente desenvolvido para as Alexia V e Sasha V, com cúpula de tecido têxtil tratado de 25 mm de diâmetro. Na caixa inferior temos dois altifalantes de graves com cone de celulose composta, ou seja, papel tratado, e digo desde já que desde as minhas Wharfedale com um altifalante de graves de 15 polegadas com cone de papel, nunca ouvido grave reproduzido por um altifalante electrodinâmico que fosse melhor que o que sai dos que utilizam o papel, nas suas mais diversas formas, para o cone.
O crossover utiliza dos já icónicos condensadores RelCap que se encontram em todas as colunas da Wilson e que são fabricados na mesma unidade de produção das colunas utilizando tecnologias patenteadas e rebaptizados pela marca como AudioCapX-WA na sequência dos procedimentos originais aplicados na sua produção. No exterior do módulo superior da WATT/PUPPY encontramos as bem conhecidas resistências de ajuste do nível de médios e agudos, fixadas a dois pares de terminais, e ainda um interessante acessório que quase parece um goniómetro e que, para além de uma bolha de nível para garantir a horizontalidade, inclui um quadrante graduado que permite calibrar com precisão a posição relativa dos dois módulos. No meio dos terminais com as resistências uma medalha assinala o 50.º aniversário da Wilson.
E, embora este não seja de modo nenhum um teste formal, tenho que deixar agora aqui algumas impressões da audição que decorreu por algumas horas no Auditório 2 da Imacustica e que se seguiu a uma passagem anterior que tinha feito pela mesma sala em que ouvi as WATT/PUPPY, numa bela cor amarela que muito me agradou (como é costume na Wilson, há um leque de cores muito diversificado para se escolher). A «companhia» era a mesma dessa primeira passagem – amplificador integrado D’Agostino Progression e streamer dCS Bartòk. E concordo totalmente com o Fraga, que estava presente quando da primeira audição: mas que espanto de coluna e que doçura e extensão de agudos, sem nunca esquecer os graves que eram sempre extremamente bem definidos, com uma articulação perfeita e a extensão certa correspondente ao instrumento e à musica a ser reproduzida.
Ouvi uma boa quantidade de faixas, desde música de câmara, ao piano de Maria João Pires em 6 Moments Musicaux, a jazz, etc. Relativamente a este último género musical destaco a audição de Jelly Roll, de Charles Mingus, com uma vivacidade álacre, uma imagem espacial imensa e tambores correctíssimos de timbre e extensão de batida. O piano tinha a inovador articulação dos batimentos criada por Jerry Roll Morton, um famoso pianista de jazz dos anos vinte do século passado, que faz um contraponto de grande vivacidade e alegria com o solo de saxofone de John Handy que se lhe segue. Este é um daqueles caso em que se sentem (e ouvem) de imediato as mais-valias de um ficheiro de alta resolução.
E porque não falar agora na capacidade de reprodução de vozes? Das várias faixas que ouvi destaco a interpretação de Christina Pluhar com a L’Arpegiatta da peça Quando Rinaldo. A harmonia entre a voz e os instrumentos da época de Renascença é sublime a extensão de voz de Christina é reproduzida de uma maneira extremamente bela pelas Wilson. E destaco agora a audição da Sinfonia n.º 8 de Beethoven, pela orquestra de Jordi Savall, andamento Allegro+ con brio. Bonita, dinâmica, envolvente, são as minhas notas principais.
E ficou também no meu livro de notas um comentário sobre o streaming que aqui exaro: como em quase tudo, já há quem se comece a cansar dele, dizendo que é chato, sem emoção. É uma verdade, assumida pelos serviços de streaming, que os ficheiros digitais que lhes são entregues sofrem depois algum processamento, nalguns casos bem evidente, como no Spotify, noutros menos, vide o Qobuz. Mas ouçam um bom streamer e um bom conjunto acompanhante no sistema de áudio e esquecem tudo isso, a vida está lá, bem audível e plena de emoção, desde que quem disponibiliza a música não tenha estragado tudo. E as WATT/PUPPY são perfeitas para nos envolverem no processo musical em curso e fazer-nos esquecer as trica e futricas audiófilas porque tocam música e ponto final. O preço final, ligeiramente abaixo dos 50 000 euros, eleva o patamar dos eventuais compradores para um número algo reduzido mas quanto a isso, digo-o uma vez mais, pouco ou nada posso fazer. O que posso dizer é que teria todo o gosto em ter estas meninas a tocar no meu sistema, até porque têm qualidades quase de electrostáticas nas gamas média e aguda e possuem uma estrutura e beleza de grave com que as minhas QUAD nem podem sonhar. Mas a vida é assim, há sonhos que se conseguem concretizar e outros que «já são sonhos a mais», como diz o Rui Veloso.