A quadratura das válvulas e dos transístores
Híbrido significa algo que pertence a dois, duas tecnologias, duas áreas, enfim, tudo depende do campo em que se situa o objecto ou equipamento a que se aplica estas designação: sementes híbridas são as que resultam da modificação em laboratório das sementes orgânicas originais, um carro híbrido utiliza duas tecnologias diferentes para se locomove, normalmente a utilização de combustíveis fósseis e a corrente eléctrica, e assim por diante.
Em termos de tecnologia o que será um amplificador híbrido: fundamentalmente a designação provém do tipo de componentes de amplificação utilizados e muito menos das tecnologias em causa: um amplificador com um andar de potência a funcionar numa classe de amplificação digital não ´, por exemplo, considerado híbrido, tal como não o é um DAC, que tem no seu interior tecnologias analógicas e digitais. Mas um amplificador, se utilizar e válvulas e componentes de estado sólido, já o é, embora não receba geralmente essa classificação no caso e utilizar transístores bipolares e MOSFETs! Não me perguntem a razão, tem seguramente a ver com argumentos de marketing e esse é um campo pelo qual não quero entrar.
Tudo isto para dizer que o Kora TB140 alvo deste teste é um amplificador integrado que é híbrido mas não é híbrido! Tem quatro válvulas duplo-tríodo, duas por canal, nos andares de préamplificação e de excitação (driver) seguidas de dois pares de transístores que tomam conta da amplificação de corrente . Uma nota importante para clarificar esta informação: segundo a Kora, este não é um amplificador híbrido com transístores precedidos por válvulas, mas sim um amplificador a válvulas assistido por transístores. Esta estrutura preserva as qualidades das válvulas e evita as limitações de corrente das válvulas de potência. Evita também a necessidade de um transformador de saída, com as suas rotações de fase.
Mas, antes de entrarmos nas intrincâncias técnicas, vamos falar um pouco a Kora. Trata-se de um fabricante francês que anda há muitos anos afastado do nosso país, depois de ter tido distribuição através da Classaudio no início dos anos noventa, mas que marca presença há algum tempo em Munique, nos últimos anos em parceria com a marca de colunas Diptyque, igualmente gaulesa. A Kora começou a estar no mercado por volta de 1993…1994, com Gérard Payrastre na frente da empresa e François Philibert como projectista. Os amplificadores integrados a gama Design forma muito bem recebidos e a marca chegou a estar presente no CESS de Las Vegas. No entanto, as quase habituais deficiências na área do marketing e outras competências comerciais e financeiras essenciais para a sobrevivência e desenvolvimento das empresas e que são quase sempre descuradas nas empresas de pequena dimensão fizeram com o empreendimento não durasse muito tem e antes do ano 2000 desaparecesse do mercado. E ficou assim num limbo até ter renascido em 2017, em Toulouse, sob novas mãos e com uma gama completamente nova de equipamentos que compreende quatro amplificadores de potência em classe A e dois em classe AB, dois amplificadores integrados, um préamplificador, um prévio para gira-discos, um leitor de CD, um DAC e ainda dois módulos extra para serem integrados, em opção no prévio PR140. Nada mal, mesmo!
E vamos passar então ao TB140, começando pelos…
Detalhes técnicos
O painel frontal em aço revestido por uma placa de acrílico negro do TB140 é o mais simples possível, com um botão rotativo no extremo direito, ladeado por um pequeno mostrador OLED com dígitos em amarelo à sua esquerda, o qual indica em funcionamento o nível crescente do volume e a entrada em uso. A caixa é em ao e na parte traseira inclui os seis pares de fichas RCA para as quatro entradas de linha, uma entrada de gira-discos para cabeças MM e a saída de prévio para um subwoofer ou amplificador de potência externo. A comutação das entradas efectua-se através de relés de contactos dourados. Segue-se, caminhando para a direita, um dissipador de calor e, por cima deste, os quatro terminais de saída para as colunas. A localização destes terminais não foi decididamente bem escolhida, pois o espaço livre para os dedos rodarem a parte superior dos mesmos quando se utilizam cabos com forquilha é mínimo e, além disso, os cabos ficam salientes em relação à parte superior o chassis o que me termos estéticos não funciona muito bem. A Kora diz que o espaço disponível neste painel traseiro não era muito e não seria fácil colocar os terminais noutro sítio tendo em conta todos os requisitos do layout. Aceito mas, embora os terminais estejam inclinados 45 graus em relação ao eixo vertical para evitar que os cabos toquem uns nos outros, o melhor é optar mesmo por cabos com terminação de ficha banana .
A topologia electrónica do TB140 assenta na amplificação de corrente e tensão em andares diferentes, como um inovador circuito a válvulas, designado Square Tube, a assegurar a amplificação global de tensão. O circuito electrónico do Square Tube é construído em torno de um estágio diferencial, essencialmente simétrico, e de um andar de saída que pode ser comparado a um OTL em push-pull. Todo o conjunto forma um amplificador operacional completo, que deixa passar corrente contínua. «Passar corrente contínua» não tem qualquer interesse do ponto de vista acústico mas, por outro lado, esta característica permite que o conjunto Square Tube seja auto-estável e mantenha uma polarização perfeita das válvulas, independentemente dos elementos externos, da temperatura e do natural desgaste das válvulas ao longo do tempo.
São utilizadas dois duplo-tríodos – uma ECC83 no andar diferencial de entrada e uma ECC8 como driver de saída, ou seja quatro tríodos, os quais formam como que um único andar de amplificação, daí o nome! O Square Tube fornece nas suas saídas um sinal simétrico (balanceado) em relação à referência (massa). Por outras palavras, este sinal alterna entre tensões positivas (para empurrar a membrana do altifalante) e tensões negativas (para puxar a membrana). Esta capacidade sem precedentes obtida a partir de válvulas torna-o particularmente adequado para o design de amplificadores de áudio, já que lhe permite atacar directamente e de maneira muito linear o andar de saída sem necessidade do habitual circuito desfasador.
O Square Tube funciona de forma altamente sofisticada. O ponto de funcionamento das válvulas é definido externamente através de uma fonte de corrente que alimenta os tríodos de entrada - a corrente que atravessa estes tríodos é conhecida e invariável: recebem 2 mA e, quer queiram quer não, a partir daí «têm de cumprir as suas funções”, independentemente da marca das válvulas ou das características! Todo o ganho de tensão do amplificador está concentrado no Square Tube. Segue-se a ele, através de dois condensadores Wima de 2,2 µF, um conjunto de dois transístores drivers de potência complementares (MJL15030/MJL15031) seguidos de um outro para de maior potência (MJL2381A/MJL1302A, de 250 V/200 W), extremamente lineares, da ON SEMI, os quais fornecem a corrente necessária às colunas, mas não produzem qualquer amplificação da amplitude do sinal. Estranhamente os transístores de potência não estão montados directamente sobre o dissipador de calor mas sim na chapa de aço traseira, ficando esta entre o dissipador e os transístores, uma solução longe do óptimo em termos de eficiência térmica. Apesar disso, tenho de reconhecer que nunca a caixa do TB140 atingiu temperaturas para além do razoável, mesmo perante níveis de audição já bem elevados durante algumas horas.
Em termos globais, a taxa de distorção final é menor do que aquilo que se tem numa montagem tradicional. Em termos de realimentação e uma vez que a amplificação de tensão tem lugar apenas no Square Tube, apenas existe realimentação local neste, não sendo necessária uma malha de realimentação global. Temos assim uma combinação quase ideal com as válvulas a amplificarem tensão e os transístores a amplificarem corrente, ou seja, cada dispositivo a desempenhar a função que melhor corresponde às suas características eléctricas.
O Square Tube é alimentado por duas tensões simétricas elevadas, da ordem dos 250 V cada uma, dependendo do equipamento em causa (no TB140 as duas tensões são +250 V/-165 V e nos amplificadores de maior potência o mais normal é encontrarmos +300 V e -200 V) e, no máximo, utiliza-se apenas mais ou menos 20% dessa tensão (ou seja, em volta de 40 V de pico no TB140) na saída do amplificador, e mesmo assim apenas quando este está a debitar a sua potência máxima, e claro que só nos modelos de maior potência da marca – o TA480, por exemplo, é um amplificador de potência estéreo que debita 240 W por canal. Por outras palavras: o conjunto modular Square Tube está sempre na sua «zona de conforto», nunca explorado perto dos seus limites. Todos os componentes estão calibrados para o funcionamento nominal, não existe margem de ajuste para as válvulas – quaisquer que elas sejam – e, por conseguinte, as qualidades acústicas e técnicas do Square Tube são invariáveis ao longo do tempo. Para aumentar ainda mais toda a durabilidade, os filamentos das válvulas são alimentados por uma tensão contínua estabilizada.
Para os tríodos de entrada, a corrente que os atravessa é determinada por uma fonte de corrente. A sua polarização é, por isso, conhecida e invariável. As correntes nas válvulas de saída do Square Tube são ajustadas abaixo dos seus valores nominais usando tensões de referência, o que garante uma vida útil excepcional aos componentes. Além disso, não há necessidade de experimentar diversos tipos de válvulas, pois o som praticamente não irá mudar em função de se usar esta ou aquela marca, NOS ou de fabrico recente. O Square Tube mantém as válvulas polarizadas do modo mais correcto possível, independentemente da marca ou idade!
A fonte de alimentação é bastante completa, começando por um transformador toroidal de 300 VA que tem enrolamentos separados para cada canal e alimenta os andares de potência de maneira independente após uma filtragem de 22000 µF por cada linha de alimentação positiva e negativa. A tensão de filamentos é fornecida por um módulo de alimentação comutada que converte os 230 V de entrada para duas saídas independentes de +12 V e -12 V. Duas outras fontes comutadas produzem as duas tensões de +250 V e -165 V para as válvulas do Square Tube.
A potência especificada para o TB140 é de 2x70 W por canal sobre 8 ohm, valor que passa a 2x100 W por canal sobre 4 ohm, isto para uma resposta em frequência que vai dos 20 Hz aos 20 kHz, ±1 dB. A impedância de entrada é de 15 kohm para os sinais de linha e de 47 kohm para a entrada de gira-discos, sendo a impedância de saída do sinal preamplificado de 2 kohm. A distorção máxima não é especificada, sendo a impedância das saídas para as colunas inferior a 0,08 dB. O controlo remoto de plástico é multifuncional, ou seja, pode funcionar com todos os equipamentos da Kora, incluindo o leitor de CD, pelo que é bastante completo. Apenas sugeria que as teclas de volume fosse maiores e estivessem mais destacadas pois nem sempre é fácil dar por elas no meio de todas as outras.