Quando a simplicidade ganha ou, uma ode ao minimalismo.
Se há um lugar que tem dado cartas bem fortes nos últimos anos no mercado da alta-fidelidade, esse lugar é a Suíça (o país, não a pastelaria) - com muitas marcas a novas a aparecerem, quase sempre associadas ao high-end (ninguém conhece a Suíça por ser um país barato), no que poderá ser um esforço para diversificar a economia helvética das indústrias dos chocolates, da banca e dos referendos.
Uma das marcas que melhor representa esta nova vaga é a Wattson Audio, que hoje em dia é propriedade da muito famosa CH Precision, e que promete um cheirinho de high-end suíço a preços mais módicos - este texto serve precisamente para aferir sobre a veracidade dessa promessa, tendo-me chegado às mãos o Emerson Analog e o Emerson Digital, dois dos produtos mais acessíveis da Wattson Audio e que, apesar da sua simplicidade, têm um design elegante, sendo construídos na Suíça com componentes de alta qualidade - as belíssimas PCB podem (e devem) ser vistas no site da Wattson Audio.
O Emerson Analog, apesar do seu oximérico nome, é na realidade um streamer com entrada de rede e saída analógica (RCA apenas), cortesia de um chip Cyrus/Wolfson WM8742 (que, ao contrário dos ESS, permite DSD nativo, uma boa notícias para os fãs de SACDs ou de upsampling). Compatível com WAV, FLAC, AIFF, ALAC, MP3, AAC, Ogg Vorbis e WMA, e ainda com os protocolos UPnP/DLNA, AirPlay, TIDAL Connect, Qobuz Connect e Roon Ready - não será fácil arranjar um software que não funcione com este Emerson, que vai até aos 24 bits/384 kHz de resolução (em PCM) e DSD64 (em PWM).
Aproveitando para fazer um pouco de pedagogia, gostaria de esclarecer a designação «bit-perfect», uma expressão que é muitas vezes mal interpretada - quando a Wattson Audio afirma que o Emerson Analog é «bit-perfect», isso significa que, caso não se use o controlo de volume LEEDH, os dados de áudio chegam inalterados ao conversor. A partir daí, ao usar um chip Delta-Sigma (referido acima), não é, tecnicamente, «bit-perfect», isso é um exclusivo dos DACs R2R em modo NOS (non-oversampling), modo esse que vem sempre acompanhado de uma inevitável e significativa atenuação dos agudos (por isso tantos dizem que os R2R soam «quentes» e por isso mesmo outros tantos usam upsamplers externos com estes DACs, para recuperarem o detalhe e a resolução perdidos). O Emerson Analog, com o seu chip da Wolfson, a um certo ponto, converterá o sinal PCM que recebe para um formato proprietário multibit (geralmente 5 ou 6) de alta sobreamostragem, antes da conversão para analógico - como todos os produtos que empregam estes chips. Até lá, e como é afirmado pela marca, é completamente «bit-perfect» - se o processo LEEDH não for usado.
Já o Emerson Digital, com um nome menos dado às figuras de estilo, é em tudo similar ao Emerson Analog, excepto nas suas saídas - que aqui são saídas digitais (coaxial RCA e AES/EBU XLR), sendo “apenas” um transporte digital. Todas as outras características são iguais, excepto a resolução máxima, que neste caso é de 24 bits/192 kHz – aliás, com estas saídas nem seria possível mais. E aqui, sim, espera-se que o Emerson seja mesmo «bit-perfect» nas suas saídas (e posso já adiantar que é, se não se usar LEEDH, pedindo desculpa pelo spoiler) e gostaria apenas de ter visto uma saída USB junto das duas existentes - não voltarei a repetir aqui os méritos do USB em relação às saídas sincronas, já o fiz diversas vezes, para quem tenha interesse é só buscar artigos passados.
Fiz uns primeiros testes, apenas para verificar se tudo estava bem, e ambos funcionam perfeitamente com Roon e com Qobuz Connect (ambos gapless), mas o protocolo UPNP não é gapless, embora isso seja simples de resolver - informei a marca do problema e foi-me informado que em breve isso será resolvido, com uma actualização que trará também mais novidades. Fica também outra nota - para quem conte usar a aplicação nativa do Emerson (Wattson Music), ela está apenas disponível para produtos Apple, a versão Android (Wattson Remote) permite apenas gerir os parâmetros do controlo de volume (LEEDH, já lá vamos) e nada mais. Sendo que uma das principais atracções destes produtos é a sua simplicidade, suponho que bastantes potenciais clientes busquem a aplicação nativa para reproduzir música, e isso só é possível em produtos Apple. Claro que, quem tenha Tidal, Qobuz, Roon ou uma das muitas aplicações UPNP (eu uso o MinimServer com o Bubble UPNP), está safo e não tem necessidade de usar a Wattson Music.
Em termos de DSP, o Emerson Analog e o Emerson Digital utilizam ambos um processo apelidado de LEEDH (apesar de no website da Wattson isso só ser referido caso do Analog, a marca garantiu-me que ambos partilham o LEEDH), um controlo de volume lossless (sem perdas), e supostamente superior até às melhores implementações ditas «normais» (como a do Roon, que funciona a 64 bits, vírgula flutuante) - não tendo eu conhecimentos técnicos suficientes para rebater todas as vantagens alegadas pela equipa do LEEDH, referiria apenas que estas vantagens serão (a existirem) apenas relevantes no caso de atenuações significativas, em que se use um produto com LEEDH como pré-amplificador, ou em casos em que o controlo de volume seja digital, como alguns combos DAC/amplificador de auscultadores ou em televisões (aliás, uma das alegadas vantagens do LEEDH é precisamente a maior inteligibilidade dos diálogos nas séries, problema que tanta celeuma tem causado e que se junta à gigantesca lista de problemas do primeiro mundo com que lidamos diariamente nas sociedades ocidentais). No caso de pequenas atenuações, como as que costumo usar para lidar com intersample overs, sobre os quais também já escrevi extensivamente, os controlos de volume existentes nos chips actuais são perfeitamente transparentes e, no meu caso pessoal, ainda não me convenci totalmente que seja boa ideia remover o pré-amplificador do sistema e usar um DAC directamente ao amplificador de potência - mesmo que isso não crie problemas de ganho, continuo a achar, até por segurança, que é preferível usar um pré-amplificador.
Mas, por essa Internet fora, muitos discordam de mim e têm usado, por exemplo, produtos como os LUMIN ligados directamente a um amplificador de potência, reportando excelentes ganhos sonoros (como falarei a seguir, isto suporta a teoria de ter um sinal o menos complexo e longo possível). Portanto, para quem esteja disposto a experimentar um sistema sem préamplificação, o Emerson Analog proporcionar LEEDH é excelente e poderá desfrutar de atenuação digital à melhor qualidade possível - sendo aqui apenas necessário realçar o quão importante é atenuar significativamente o volume antes de ligar o amplificador de potência. O LEEDH pode também ser usado, em ambos os casos, para atenuar ligeiramente o sinal (-3 dB) e assim evitar que o DAC que se segue (seja o interno do Analog ou um externo com o Digital) “clipe” a 0dBFS (acontece muito). Em baixo segue a “tradução” da escala dos Emerson para dB, em que se percebe que uma atenuação de -3 dB implica colocar o volume no 94.
Entre 20 % e 100% – passos de 0,5 dB
Entre 10% e 20% - passos de 1,5 dB
Entre 0% e 10% – passos de 4,5 dB
E, para quem queira saber mais sobre o LEEDH, segue o link abaixo:
Emerson Analog
Comecei então as minhas audições com o Emerson Analog, acompanhado de um Electrocompaniet ECI80D e de umas KEF LS50 (verão original). O primeiro disco que escutei foi Ella Fitzgerald Sings the Cole Porter Songbook (1956, 16 bits/44,1 kHz, versão da DCC, magnificamente remasterizada por Steve Hoffman no início dos anos 90) e fiquei agradavelmente surpreendido com a qualidade de som deste Emerson Analog - excelente o timbre de voz de Ella Fitzgerald, a textura dos sopros de big band e a definição do contrabaixo, assim como sentido de «coesão» de toda a orquestra. Aliás, quando uso este disco para teste, muitas vezes não o oiço na sua totalidade (são quase duas horas) e desta vez ouvi-o de uma ponta à outra.
Segui depois para o disco Bach: Solo Cantatas for Alto / Armenian Chants, da cantora alto arménia Seda Amir-Karayan, acompanhada pela orquestra barroca Camerata Vivaldian, dirigida por Fritz Kräme e disponível no Qobuz em resolução 24 bits/96 kHz - aproveitei aqui para testar também o Qobuz Connect que, como escrevi acima, funciona exemplarmente. Este disco é aliás muito interessante, não só porque Seda escolhe um repertório barroco que nem sempre é interpretado neste registo, como intercala essas peças barrocas com belíssimos cantos arménios, que suponho serem na sua maioria derivados do cancioneiro da Igreja Ortodoxa. A música erudita é sempre um teste exigente para um streamer, especialmente quando está bem gravada, como é o caso deste «disco». O Emerson Analog no entanto, não tremeu, e superou o teste com distinção - destacando-se primeiramente, tal como no disco anterior, os timbres vocais, absolutamente irrepreensíveis. Também as dinâmicas, o factor mais relevante para este estilo de música, foram muito bem reproduzidas, tanto nos crescendos como nos diminuendos, especialmente se levarmos em conta a gama de preço deste produto. Como destaque final, gostei também muito da sensação de palco que este Emerson Analog proporciona, particularmente nas peças arménias interpretadas a solo - com um som grande, largo e profundo, capaz de encher um quarto. Se parte desse mérito se deve inevitavelmente à gravação, não deixará também de ser verdade que o Emerson Analog foi capaz de, como lhe competia, reproduzir a excelente informação disponível na gravação.