Faleceu Holbein Menezes

19 fevereiro 2024

Desapareceu um grande amigo, um homem de cultura e um dos colaboradores mais antigos da Audio e Cinema em Casa

O inexorável rolar dos dias e dos anos tem estes momentos em que somos atingidos por uma tristeza profunda por não sermos todos eternos e podermos continuar a contar com os nossos amigos de tantos anos. E hoje cabe-me o dever de deixar aqui um texto dedicado a um amigo de muitos anos e com o qual pude trocar ideias, discutir temas de áudio e de outras áreas e, no fim de tudo, sentir que ficou do meu lado com um conjunto de temas imanentes da sua profunda sabedoria. Como todos os amigos (acho eu), tivemos as nossas pequenas quezílias, por questões quase sempre de somenos importância, isto porque as raízes profundas de uma amizade que se prolongou por mais de 40 anos, nunca foram postas em causa por nenhum de nós.
Por razões nunca muito bem explicadas, o Holbein Menezes, que tantos artigos viu publicados na Audio e Cinema em Casa, e na altura prestes e comemorar a centena de anos, acabou por se afastar. Mas tudo voltou ao normal e nos tempos mais recentes retornámos à nossa comunicação epistolar, agora mais com base no Facebook e no Messenger e tive o grato prazer de acompanhar a comemoração do seu centésimo aniversário, aliás quase o centésimo primeiro porque o Holbein, tal como os sul-coreanos o fizeram durante muitos anos, contava o seu tempo de vida a partir do momento da concepção, que ele dizia conhecer com toda a precisão.

Holbein na sala de paredes duplas recheadas com areia, situada na sua casa da Lagoa da Conceição


Mas acho que vale a pena, nesta data em que devemos ir rebuscar nas nossas memórias mais profundas os momentos mais agradáveis, deixar aqui uma nota sobre a maneira tão original como começou a nossa amizade: foi com natural orgulho que vi um artigo meu sobre um amplificador a válvulas e outros equipamentos por mim construídos, ser publicado na Audio Amateur n.º 2 do longínquo ano de 1982, o que me dava direito a receber a choruda quantia de 50 dólares, mas muito mais importante que isso foi a chegada de uma intrigante carta, reenviada pela revista para mim e proveniente do Brasil e que tinha sido enviada por um leitor brasileiro da Audio Amateur e grande entusiasta do áudio que ficou encantado não só pela descrição da electrónica como por saber que eu já tinha em casa as QUAD ESL63, recentemente lançadas.
Foi assim que «conheci» o meu amigo Holbein Menezes, amizade essa que se prolongou até aos nossos dias, sem que, durante mais de 30 anos, alguma vez nos tenhamos encontrado, pois os contactos iniciais foram sempre feitos sob a forma epistolar. Nos anos 2000 tive oportunidade de visitá-lo por duas vezes na Lagoa da Conceição, Florianópolis, onde vivia com a sua esposa Jarina, pintora emérita e entretanto também já falecida, e foi para mim uma grande alegria constatar na altura que, mesmo aos 84 anos, Holbein continuava pleno de dinamismo e preparado para o que desse e viesse. Foi igualmente com grande prazer que o vi aceitar o meu convite para escrever um texto alusivo ao número 200 da Audio, até porque ele não deixou de ser um dos mentores indirectos deste projecto.

Holbein e Jarina, a sua companheira de tantos anos


A partida de alguém com quem convivemos durante tantos anos deixa sempre um rasto de profunda tristeza, tristeza essa só ligeiramente atenuada pelas memórias dos momentos em que comungámos de uma vasto conjunto de ideias e coisas de que ambos gostávamos e discordámos sobre algumas outras, Saravá, Holbein, espero que tenha ido para onde possa reencontrar Jarina e que juntos revivam alegremente os muitos anos de vida conjunta.